quarta-feira, 8 de julho de 2020

Metanoia epistemológica

Lidar com o desafio de ensinar História em tempo presente não se pode divorciar de localizar o presente.
O presente além de efêmero é um período de temporalidade que pode estar em espaço que não seja o mesmo da reflexão sobre ele, conforme anota o poeta mexicano e Nobel de literatura Octavio Paz em seu discurso intitulado “Em busca do presente”. Há também em quase todas ou todas as situações de análises correlatas pontas de memórias que são fios condutores.
Memórias estas que não são lembranças , mas na verdade saldo restante de disputas de narrativas e outros vetores , que deixam à mostra o que ficou ileso a confecção de esquecimentos ou memórias subterrâneas , como nomearia o sociólogo Michael Pollak. 
A partir de tais premissas se torna plausível uma interpretação de tempo presente e memória como dois constructos sociais que concomitantemente de forma complementar e concorrente  interagem forjando as interpretações a serem difundidas.
As nostalgias, em certa medida reconfortantes, podem ter explicação numa memória social fundada em uma arquitetura de esquecimentos coletivos engendrados com a finalidade precípua de incutir a mentalidade de um passado superado, por mais sofrível que possa ter sido, com um futuro superior e inseguro de gigantescas incertezas, num tom positivista. 
Porém por mais que seja constante e orquestrada a usina de esquecimento, há lacunas, rachaduras que se evidenciam de tempos em tempos e que trazem a tona feridas não cicatrizadas e reprimidas nas mais diversas sociedades. 
Na atualidade ou presente, como queiram, o vírus Corona ou COVID-19 é o estopim para uma erupção de remorsos políticos e sócio econômicos em escala mundial. Na conjuntura brasileira não diferentemente a situação é de instabilidade em diversos setores, talvez de maior turbulência pós redemocratização.
Na seara política, como rescaldo de articulação de retirada do poder de forma atualmente reconhecida como inconstitucional, em 2017, de um governo com ênfase social democrata e ascensão de uma vertente conservadora em eleições gerais de 2018, valores democráticos estão sendo postos em xeque.
Na esfera sócio econômica, valores fundacionais da nossa sociedade, como racismo, machismo, patriarcado, relações de trabalho, patrimonialismo dentre outros estão na berlinda das convulsões da sociedade civil brasileira.
Inevitavelmente as ciências sociais e suas formas de serem lecionadas estão sendo diretamente impactadas e em especial para a História o momento é de colidir com a intenção ardilosa da governança atual de gerir o país nas raias frouxas de metodologias e com vícios de competência de uma crise, pondo cada vez mais em prática um ensino menos colonizado epistemologicamente, que seja possível ressignificar a temporalidade e memória.

Memento mori et carpe diem

domingo, 21 de junho de 2020

"Bole, bole, bole, bole."

Aqueles passos...
Depois daquela curva do arrepio
Todo ano , por muitos anos tem molejo,
Traquejo , beleza e desafio.
Secular dança que parece que a perna embola
Faz que cai e só balança 
Risca chão de salto alto 
Gira dos pés à cabeça
Quadril de mola.
Herança de tempo de pés só no chão
Coisa de gente preta
Chama pro riscado,
Qualquer batucada e palma da mão.
Acha em tudo que é canto e quintal do Rio de janeiro
Celebração que tá em época o ano inteiro
Se mostra com holofotes pro mundo,
Nos idos de fevereiro
Vez ou outra estica o prazo
Daí a catarse vem em março
Ah! Aqueles passos...
Desde criança se manifesta tal alegria
Na procissão negra da avenida
Carregada de africanidades
Em coletivo unissex
E em solene majestade.
“Que dança é essa, que o corpo fica todo mole?”
Não é uma dança nova, não zomba da História,
Respeita, admira e se quiser,
Bole, bole, bole, bole, bole...

Memento mori et carpe diem!

quarta-feira, 20 de maio de 2020

Se ainda não percebeu, anota aí...

Tem um povo aí, que apesar de tudo não para de querer vir!

Tem um povo aí , que não precisa de sol pra se tingir!

Tem um povo aí, que tá que tá danado, esbanjando penteados e pentes de garfo nos cabelos pendurados!

Tem um povo aí, que quanto mais é preterido velado, cada vez menos fica calado!

Tem um povo aí, que não teve açoites , por muitos dias e noites , que os eliminaram!

Tem um povo aí, que vive desde sempre na alça de mira , como uma caça liberada e legitimada por um Estado!

Tem um povo aí , que veio resistindo de pancada em pancada, do Pelourinho passando por cortiços, por favelas e quebradas!

Tem um povo aí , que venha no tempo que vir, tem DNA e não pedigree de quilombola!

Tem um povo ai, que quando se encontra não se conhece de agora, vem de uma ancestralidade nação!

Tem um povo aí , que impuseram uma escravidão, forjaram uma abolição e não deram qualquer paradeiro!

Tem um povo aí, desavisado, que é teu povo!

Um politicamente correto pra chamar é afro-brasileiro!

Veio contra quase tudo e quase todos e chegou até aqui!

Parar agora ?! Respeita essa História, dá meia volta, passa vergonha com teu racismo e cai fora!!

Aceita que dói menos e se não entender, vê se ao menos decora!!!

Memento mori et carpe diem!

segunda-feira, 18 de maio de 2020

Memória de quarentena racial

Saudade lá de fora ?!
Te manca negão, lá fora pesa pacas como tu e as nega e outro como tu são tingido por fora , lá pra te olhar torto e atravessado, de cima abaixo ou tudo isso toda hora é hora , não viaja na margarina que a maionese é cara e o custo do sonho evapora.
Pra prosear vou rimar que fica mais solto o pensar ainda que marginal de se falar , deixa o ritmo imperar, vambora?
Tá, vou apresentar a situação baseada em fatos reais , que não devia , mas lá fora são banais, doem demais , mas...
Naquele lugar um preto pra lá de um metro e oitenta , cavanhaque e mochila , agasalhado , naquele horário de aura escura , ar de cansado , subindo a escadaria de onde mora a não preta que caminha a frente , não pode ser um estudante proletário como a mulher a diante , por sina , convenção, isso nunca combina .
Ainda que o indivíduo que venha atrás, num súbito descuido esteja com a cabeça em outro lugar , sem a cena cotidiana alertar , só entendendo o enredo curto, grosso e todo a partir da mulher da frente     tropeçar ao abrir fuga dele , como barreira do alívio dela um portão , pega trêmula o molho de chaves e deixa cair no chão, postura diante de tanta escuridão , ao redor e principalmente atrás na situação.
Enfim ela abre o portão e bate na cara do negão , salvação, qual a artimanha de racismo, sórdida enganação, no fim uma incômoda normalização, mesma culpabilização.
Perseguição por intuição, engano grave cheio de legitimação lamentavelmente socialmente endossada, palhaçada! Sem graça , mas há quem caga anda ri e ainda crê em paranoia preta exagerada.
Se enxerga sonhador, se emenda , já não basta tua cor de pele ainda quer questionar o lugar que os mandatários de sempre querem te impor, ousadia ainda hoje em dia? Faça o favor!
Valentia de quem teve e tem e terá essa mesma cor é de todo dia , toda hora, em respeito de quem anda , andará e por esse mundo já andou!
 Não esmorece com cotidiano cheio de trama com porrada da vida velada. Graças a escrita , voz e repente de picardia revelada.
Memória bem guardada, mal digerida e agora vomitada , pra diferente da ancestralidade não ser amputada!
Fica sorrateiro , quieto , calado , agradece os quatro cantos que tem e um telhado. Sem tá aglomerado, tira a mãe preta do teu passado!
Tá louco?! Memorial esbranquiçado?! Olha pra você Mané consciência, olha quem tá esculachado do teu lado!
Feliz agora que tristeza tá afastada , mas a incerteza bate as portas, mentes e deixa hematoma mentalizado.
Botar a cara lá fora é brutal, gente preta num bolso leva morte e se não acabar numa cena de genocídio, de certo num outro bolso tem um mandado de própria prisão!
Felicidade sempre vai e foi-se embora e não tenho a saudade lá de fora , porque sei que a falsidade vigora!

Memento mori et carpe diem!